Paternidade

Eu achava que a paternidade não seria fácil. Achava que teria alguma transformação, uma mudança no estilo de vida e tals. Mas eu sempre tinha achado que seria uma alteração externa. Eu entendia que dormiria menos, que daria trabalho, aquelas coisas todas que as pessoas adoram dizer para os casais grávidos em geral:

– “Aproveite pra dormir agora, heim!”; “Pode se despedir do videogame”; “Depois de 20 anos passa”; e por aí vai.

E, de fato, foi tudo por aí mesmo até agora. Mas o que ninguém tinha me dito, e eu não tinha lido em nenhum livro de paternidade, é o quanto esse processo iria me transformar por dentro. Quando as pessoas falam que ter filhos mudam, não é simplesmente o estilo de vida. É uma transformação real da pessoa que elas são.

O que é que mudou pra mim? Pra começar, uma compreensão maior da própria mortalidade. A própria morte passa a ter uma significância e puxa desdobramentos maiores, e você passa a pensar muito mais no futuro, na velhice, no longo prazo. Aposto se compararmos a poupança média de pais vs. não pais, descontada a idade, deve dar uma boa diferença. Mas a questão não é só prática, é filosófica também. A questão da irrelevância da presença humana no planeta e no universo fica mais visível quando você se vê no papel reprodutório, sendo mais uma bactéria se multiplicando no cosmos.

Em seguida, a minha visão dos meus próprios pais e avós também mudou. Só com trinta e tanto anos consegui compreender muitos dos esforços e sacrifícios dos meus próprios cuidados, tantas vezes esquecidos e que mal recebem um telefonema.

Outra coisa que mudou é, na minha cabeça, como eu processo os sentimentos. Eu sempre fui um cara super racional e pouco emotivo. O fato real de ter que lidar com criaturas que são basicamente irracionais quando nascem, e vão ganhando essa capacidade de maneira gradual foi um desafio que, de novo, me mudou consideravelmente. Hoje eu processo as coisas muito mais emocionalmente. Choro, muito mais. Outro dia vi essa foto no meu feed de notícias. Não sei quem é o fotógrafo, mas ela mostra refugiados sírios, com pais fugindo com seus filhos. Só de ver a imagem, e imaginar a situação, eu comecei a chorar, ali mesmo (acho que estava no banheiro do trabalho). Isso não acontecia comigo antes. Essa sensação empática é uma novidade. Não vou nem falar de quando assisti o Inside Out (Divertidamente, em português) num vôo para o Brasil e chorei de soluçar. Não é só choro, claro. É ter mais vontade de abraçar, de beijar, de ficar junto. De fazer carinho. Ainda precisamos dar mais risadas, mas acho que isso ainda vem.

Uma outra transformação (ou resgate do passado), foi a desconexão. Colocar bebês para dormir é um aprendizado de meditação e contemplação. A vontade de olhar para o celular, a sensação de querer fazer outras coisas é real, e todo o dia eu aprendo a aproveitar aquele momento de lusco-fusco pra fazer um carinho, para prestar atenção, para perceber as diferenças, para refletir sobre o dia.

Muitas pessoas se perguntam o valor de ter filhos, e muito se fala ou do sentimento maravilhoso de ter crianças, de rir junto, de voltar a brincar, ou do outro lado de falta de sono, do sofrimento e das privações. Mas acho que se fala pouco do lado de dentro, e do valor que isso trás. Eu não sei dizer se estou virando uma pessoa melhor, mas definitivamente estou virando uma pessoa diferente, e estou tentando entender esse processo e o valor que ele tem. Vou atualizando vocês, veremos o pé que está daqui a um ano.

Até!